miércoles, 14 de abril de 2021

Leitura para o dia do livro

 O Rouxinol e o Nabo
 

Era uma vez um Rouxinol que gostava muito de cantar. As suas doces melodias eram o contentamento de todos os animais da  floresta – e até de algumas plantas.

O Rouxinol, vaidoso, dizia a toda a gente: "Um dia vou ver protagonista de um conto infantil".  E todos os seus admiradores concordavam: "Com um cantar tão belo, não tardarás a ir parar a uma fábula, uma lenda ou até a um conto de fadas".

A vida decorria normalmente na floresta, com a vida a ser alegrada pelo chilrear harmonioso daquela ave canora.  

Até que um dia, o canto do Rouxinol foi interrompido pela chegada de um Nabo.
"Olá!", disse o Nabo muito bem disposto, "és tu o famoso Rouxinol?".

O pássaro desceu do seu ramo e foi juntar-se ao legume falante. 
"Ouviste o meu canto? Todas as pessoas na floresta acham que eu sou especial e devia ser protagonista de uma história para crianças, com um enredo simples que, no entanto, contém dentro de si a versão ultra-simplificada de uma questão moral complexa".
"Ah, claro!", entusiasmou-se o Nabo, "É por isso que venho falar contigo".

O Rouxinol ficou intrigado. Olhou o Nabo de cima abaixo e perguntou:
"O que é que queres de mim?"
"Eu sou a outra personagem do teu conto infantil. O teu co-protagonista".

O Rouxinol não queria acreditar: "Tu?! Mas como? Porquê?"
"A história chama-se o Rouxinol e o Nabo e é sobre a amizade improvável entre uma hortaliça e um rouxinol-comum", esclareceu o Nabo.
"Mas quem é que quer ler uma história sobre um vegetal?", indignou-se o Rouxinol.
"Ninguém... por isso é que tu também entras nela", esclareceu o Nabo.

O Rouxinol ficou desapontado, mas manteve o bico erguido.
"Acho que isso quer dizer", prosseguiu o Nabo, "que nos vamos tornar grandes amigos!"
"Como? Não temos nada em comum..."
"Ora, deixa cá ver", disse o Nabo, "tu gostas de andar de ramo em ramo, eu tenho uma rama. Gostas de sopa?"
"Detesto"
"Ok, também temos isso a nosso favor"

Os dois amigos continuaram a conversar, encontrando, aqui e ali, alguns pontos em comum. Não foi fácil. O Nabo não sabia o que era alpista, o Rouxinol não percebia nada de tubérculos. O pássaro entoou várias canções para ver se a hortaliça o conseguia acompanhar, mas não teve sucesso. O Nabo explicou-se, dizendo que tinha vivido grande parte da sua vida debaixo da terra e que as únicas músicas que conhecia eram as canções das toupeiras. 

Mas a conversa foi interrompida pela chegada de um enorme e temível Lobo Branco.
"Oi malta", disse o lobo, “viram por aí uma galinha e um puxador de porta?"

Nabo e Rouxinol disseram que não, mas antes do lobo partir no seu caminho, fizeram-lhe uma pergunta: "Por que é que um temível Lobo Branco anda à procura de uma galinha e de um puxador de porta?"
"Ah", suspirou o lobo, "eu sou o vilão numa história chamada A Galinha e o Puxador de Porta".

Todos concordaram que o título da história era péssimo, as personagens não tinham nada a ver umas com as outras, e que era impossível um puxador de porta e uma galinha vencerem o seu vilão, o temível Lobo Branco.
"Obrigado pela força malta, vocês são mesmo fixes. Acho que vão dar uma bela história juntos", disse o lobo antes de se despedir.

Naquele momento, Rouxinol e Nabo sentiram-se mais unidos do que nunca.
“Ok”, declarou o Rouxinol, “vamos partir numa aventura”.
“Vamos!”, repetiu o Nabo, rebolando toscamente pelo chão da floresta.

Os dois pararam para descansar numa clareira onde estava, muito triste, uma Lagosta Voadora.

“Acho que és a primeira Lagosta Voadora que vejo”, disse o Rouxinol tentando meter conversa.
“A  primeira e a última”, lamentou o crustáceo, “fui criada para fazer parte de uma história para a qual, infelizmente, só há o título”.

O Nabo e o Rouxinol sentiram muita pena daquele animal falante. 
“Ter um título não é nada mau, há histórias que nem isso têm", disse o Nabo, "são só uma ideia que está na cabeça do autor, um projecto de que falam aos amigos mas que nunca prosseguem porque estão sempre à espera da altura certa das suas vidas para se dedicaram a isso…”.
“E essa altura nunca chega”, continuou o Rouxinol, “e quando dão por eles é demasiado tarde, a vida soterrou-os de responsabilidades e despesas e não lhes restam as forças necessárias para prosseguir o seu sonho”.

A Lagosta Voadora bateu as asas e rodopiou no ar.
“Obrigado pelas vossas palavras”, disse, “sinto-me mais leve e feliz”.

“O que é isso?!, as lagostas não voam. Que disparate”, berrou uma Almofada de Pernas acabada de chegar à floresta. 

“Quem és tu e desde quanto é que decides quem pode ou não voar?”, insurgiu-se o Nabo.
“Sou uma personagem inventada à pressa por um pai sem imaginação que está a tentar contar uma história para adormecer o filho”, disse bruscamente a Almofada de Pernas.

O chão estremeceu. As árvores abanaram-se e, de repente, todos os animais ficaram na sombra de uma enorme T-Rex.

“Quero desde já pedir desculpa se pisei alguém”, disse o dinossauro gigante. “Ah, e se eu fosse a vocês, pisgava-me agora".

“Nós não vamos a lado nenhum!”, defendeu-se o Nabo, “quem és tu para nos mandar daqui para fora?”.

“Sou o protagonista de uma história que está a ser desenvolvida por dois irmãos com uma diferença de idades considerável”, explicou o T-Rex. “O mais velho está farto e quer ir brincar a outra coisa”.

“E então?”, perguntou o Rouxinol.
“E então daqui a poucos segundos ele vai decidir que eu disparo raios laser pelos olhos, matando-vos a todos. E a história acaba”.
"É o fim?!", gritaram em coro o Rouxinol e o Nabo.
 
FIM


Dia 13 de abril DIA DO BEIJO